O Oriente Médio não é todo igual

Júlia Papa
4 min readJan 12, 2020

--

Com os recentes acontecimentos envolvendo o Irã e os Estados Unidos, todo mundo está falando do Oriente Médio nas redes sociais. Quanto mais leio comentários, mais me assusto com o quão presente o “Orientalismo” está no pensamento da tal parte ‘Ocidental’ do planeta.

Orientalismo é um conceito desenvolvido pelo falecido intelectual palestino Edward Said que discute como a Ásia — com um certo no foco no Oriente Médio- é representada de forma eurocêntrica e estereotipada , principalmente por conta da presença europeia no continente por alguns séculos.

Nessa visão eurocêntrica, todos os habitantes do Oriente Médio são árabes muçulmanos e, geralmente, essas duas palavras costumam ser sinônimos, quando na verdade a primeira refere-se a uma etnia, enquanto a segunda, a uma religião (que tem múltiplas vertentes).

Nesse texto eu gostaria de falar a respeito de algumas etnias, vertentes do islamismo e idiomas com o objetivo de tirar essa visão de que todos os habitantes da região são iguais.

Religiões

Composição religiosa do Oriente Médio

(fonte: http://gulf2000.columbia.edu/maps.shtml#ethno / http://gulf2000.columbia.edu/images/maps/Mid_East_Religion_sm.png)

O Oriente Médio é o berço das três principais religiões monoteístas: O Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo. Dentre elas, a que está em maior peso é o Islã, que é dividido em duas vertentes principais — o Xiismo e o Sunismo.

Eles têm hábitos semelhantes em relação às orações, ao jejum e à peregrinação para Meca (a cidade mais sagrada da religião). A grande diferença entre os dois é em relação a quem é o sucessor de Maomé, o profeta muçulmano. Os Xiitas acreditam que o sucessor dele deveria ser Ali, genro e primo de Maomé. Enquanto os sunitas creem que a liderança do Islã deve ser Abu Bakr, o único que acompanhou o profeta durante sua fuga para Medina (evento conhecido como Hégira), porém não tinha nenhum tipo de parentesco com ele.

A maior parte dos xiitas estão concentrados principalmente no Irã, mas também no Iêmen, Bahrein, Iraque e Azerbaijão. Já os sunitas estão concentrados na Turquia, Egito, Afeganistão, Síria, Arábia Saudita e há um número considerável também no Iraque.

Além disso, existe uma vertente do sunismo conhecida como Wahabismo ou Salafismo. Os grupos poderosos da Arábia Saudita e do Qatar seguem essa divisão. Os salafitas costumam ser descritos como fundamentalistas, ortodoxos, ultraconservadores e extremistas.

Isso tudo foi apenas um pequeno resumo das religiões no Oriente Médio. Comparando com nossa realidade, é só pensar no Cristianismo e suas inúmeras divisões: o Catolicismo, Ortodoxia, Protestantismo, entre outras. Então não, nem todo mundo no Oriente Médio é muçulmano, e mesmo tendo muitos muçulmanos, existem inúmeras variáveis entre as crenças. Além de ter também católicos, judeus, hindus, entre outros.

Etnias

Grupos étnicos do Oriente Médio

(fonte: http://gulf2000.columbia.edu/maps.shtml#ethno / http://gulf2000.columbia.edu/images/maps/Mid_East_Ethnic_lg.png )

Olhe bem para esse mapa, será que todo mundo mesmo é árabe? É claro que não. Etnia é a coletividade de indivíduos que se diferencia por sua especificidade sociocultural, refletida principalmente na língua, religião e maneiras de agir, podendo também ser chamada de grupo étnico.

Analisando o mapa, é possível ver que cada cor é uma etnia, sendo a predominante — a amarela- a árabe. Essa é a definição de um árabe de acordo com a Liga Árabe:

Um árabe é uma pessoa cuja língua é o árabe, que vive em um país de língua árabe e que tem simpatia com as aspirações dos povos de língua árabe.

Além dos árabes, tem outros grupos étnicos que estão em grande número na região: os Persas, os Curdos, os Pachtuns, os Turcos, os Baluchis, entre inúmeros outros grupos. Entre estas que eu citei, comentarei sobre os persas, que é a maioria étnica do Irã.

Os persas tem uma cultura e história própria totalmente diferente dos árabes, além de terem um idioma próprio — o persa- e até uma religião própria, o zoroastrismo, mesmo que a grande maioria pratique o islamismo hoje em dia. E mesmo sendo maioria no Irã, ainda existem muito mais grupos por lá.

Composição étnica do Irã

(fonte: http://gulf2000.columbia.edu/images/maps/Iran_Ethnic_lg.png/ http://gulf2000.columbia.edu/maps.shtml)

Portanto, é possível concluir que o Oriente Médio não é todo igual. Nele existem diversos grupos étnicos, religiões, idiomas. Está na hora de parar com essa generalização e parar para refletir um pouco a respeito. Assumir que todos os países da região são iguais é tão sem sentido quanto falar que todos os países da Europa são iguais. Ou falar que um português é igual a um brasileiro porque os dois falam português (que por sinal é totalmente diferente).

Está na hora de lutarmos para tirar esses esteriótipos de nossas cabeças. Todo mundo quer falar do Oriente Médio, mas ninguém quer estudar o Oriente Médio. E o mesmo serve para o resto da Ásia e para a África.

Chega de Orientalismos.

--

--

Júlia Papa

FGV School of International Relations Undergraduate student. Soft Sciences enthusiast. Data Science applied to Political Science researcher. Text as Data.