Ailton Krenak, Crises de Paradigmas e a Teoria Realista das Relações Internacionais.

Ensaio escrito para a disciplina História do Tempo Presente ministrada pelo Prof. Dr. Américo Freire da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV CPDOC).

Júlia Papa
3 min readApr 29, 2021

“Somos uma humanidade complexa e diversa. Ela tem aquelas qualidades que nós gostaríamos às vezes que fossem presentes ao nosso redor: a complexidade e a pluralidade. Mas essa humanidade, exatamente por ter uma condição plural, não constitui uma comunidade. Poderia dizer que hoje estamos perplexos, porque nós não conseguimos ter uma unidade de propósito e estamos passando por crises sucessivas. Crise ambiental, climática, econômica. É também uma crise de paradigma. (Aílton Krenak, entrevista 12 de novembro de 2020).”

Entre diversos debates, Ailton Krenak — ambientalista, filósofo e um dos grandes líderes dos povos indígenas brasileiros na atualidade — chegou a duas grandes conclusões: que a pluralidade da humanidade dificulta a formação de uma grande comunidade; e que existe uma crise — além de todas as outras que vivemos atualmente — de paradigmas. Esse ensaio tem o objetivo de justificar as conclusões de Krenak através de teorias realistas das Relações Internacionais.

Quando se trata da dificuldade da criação de uma comunidade diversa, opiniões diversas tendem a gerar discordância e, em alguns casos, até mesmo conflitos. Um dos grandes meios da geração do sentimento comunitário é por meio da união entre Estados, mas, na grande maioria dos casos existem impasses que impedem o sucesso. Isso costuma acontecer, pois Estados costumam tirar vantagens dos outros e por conta disso, muitos governos costumam enxergar o sistema que vivemos como um grande jogo de soma-zero: ou você é um vencedor ou um perdedor — não existe um meio termo entre os dois. (WALTZ, 1979)

O Estado e seus respectivos representantes nos mais diversos níveis costumam influenciar em sua população e suas perspectivas. Um Estado em que uma perspectiva realista prevalece dificilmente consegue fazer com que instituições como Organismos Internacionais ou Blocos Econômicos — ambos tipos de instituições que buscam gerar um senso de união entre Estados — funcionam normalmente em seu território e até mesmo prejudicam o funcionamento delas como um todo. Assim, instituições que deveriam gerar um senso de comunidade como a União Europeia, tendem a gerar mais problemas do que vantagens. No próprio caso da UE, em que todos os países pertencem ao mesmo continente, existem movimentos de separação para sair do bloco, além de constantes discordâncias que existem em discussões dentro do Parlamento Europeu, como o caso da abertura das fronteiras para o recebimento de refugiados da Ásia e da África.

Junto com essa dificuldade da criação de uma comunidade complexa e plural, entra a questão da crise de paradigmas da atualidade. Podemos ver isso nos governantes da atualidade, incluindo no atual Presidente da República Brasileira Jair Bolsonaro. Bolsonaro é um alguém que banaliza a vida e a palavra e ainda tem a liberdade de exercitar a necropolítica (KRENAK, 2020). Bolsonaro é um dos exemplos que temos na atualidade e que reflete a opinião de uma parcela alta da população brasileira: negação da ciência, da história, do direito, de tudo que há de científico e racional na humanidade.

O Brasil é refém de sua própria história e Jair Bolsonaro é apenas um dos reflexos disso. Um país formado por diversos golpes de Estado ao longo de sua trajetória, com efeitos do colonialismo em sua população nativa até hoje, que nega suas ditaduras sanguinárias ao longo da história, dificilmente gerará bons governantes. A negação de sua história torna o opressor o grande herói do país, deixando fatos essenciais para uma educação libertadora e geradora de bons paradigmas.

No fim, o fato de estarmos vivendo uma crise de paradigmas exacerba a dificuldade de ter uma humanidade que crie uma comunidade plural. O mundo é composto por pessoas que são influenciadas por quem está no poder, e este nem sempre busca a união, mas sim conseguir o maior ganho possível em qualquer disputa. Uma pessoa que nega a ciência não tem interesse de juntar-se com uma que a defende e vice-versa. Por mais que exista um lado que pareça ser correto nessa história, a racionalidade nem sempre está presente. Como Krenak falou: ‘a sociedade precisa entender que ela não é o sal da terra’, mas enquanto ela não entende, o ser humano estará fadado a lutar contra a desunião e a opressão.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 62. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016

KRENAK, Ailton. A vida não é útil. São Paulo, Cia das Letras, 2020

KRENAK, Ailton. O amanhã não está à venda. São Paulo, Cia das Letras, 2019.

WALTZ, K. N. Theory of International Politics. Long Grove, Ill.: Waveland Press, 1979.

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Júlia Papa

FGV School of International Relations Undergraduate student. Soft Sciences enthusiast. Data Science applied to Political Science researcher. Text as Data.