#1 País da Semana: Ruanda

“País da Semana” é uma série de textos inspirada no podcast “Presidente da Semana” da Folha de São Paulo (em que o jornalista Rodrigo Vizeu narrava a trajetória de cada presidente brasileiro), na qual toda semana postarei um texto a respeito de um país específico. Todo texto tentarei abarcar atualidades, curiosidades, história e imagens para aprender mais sobre esse país e seu papel na atualidade.

Júlia Papa
7 min readJan 23, 2020

E o primeiro país escolhido foi: República de Ruanda

Ruanda é esse pequeno país localizado no centro da África cuja capital é Kigali. Faz fronteira com Tanzânia, Uganda, República Democrática do Congo e Burundi.

É uma República Semipresidencialista, ou seja, o presidente partilha o poder executivo com um primeiro-ministro e um gabinete de ministros, sendo esses dois responsáveis pela legislatura do país (relacionado as leis).

Ruanda foi colônia da Bélgica e seus idiomas oficiais são inglês, francês, suaíli e Kinyarwanda (ou quiniaruanda), sendo o ensino das escolas em inglês.

O território ruandês é extremamente montanhoso e por conta disso, não faz tanto calor por lá mesmo estando numa zona de clima tropical. Há cerca de 12 milhões de habitantes (a cidade de São Paulo tem aproximadamente esse número também) e a cidade mais populosa é a capital com uma população em torno de 1,2 milhões.

Em relação a política, Ruanda tem o parlamento mais feminino do mundo! O presidente ruandês é Paul Kagame desde 2000. Ele faz parte da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) e está envolvido em diversas acusações de autoritarismo e corrupção.

Mesmo com todos os problemas, Ruanda é considerado um exemplo por outros países do continente africano principalmente por conta de sua reconstrução após o genocídio ocorrido em 1994 e até apelidada de “Pequena Singapura Africana” por alguns.

No primeiro texto da série contarei o que aconteceu em Ruanda e quais são as consequências de sua história na atualidade. Espero que gostem!

A História de Ruanda

Refugiados ruandeses em fila para a distribuição de água em 1994. Créditos: Sebastião Salgado
Refugiados ruandeses em fila para a distribuição de água em 1994, perto do acampamento de Kibumba, em Goma, no antigo Zaire. Fotografia de Sebastião Salgado.

Ruanda foi criada em 1885 com a Conferência de Berlim — Conferência que partilhou África e a Ásia entre os Estados europeus- e juntamente com seu vizinho Burundi foi entregue como colônia ao recém formado Império Alemão. Após perder a Primeira Guerra Mundial em 1919, a Alemanha perdeu todas as suas colônias e graças ao Tratado de Versalhes, Ruanda passou a ser colônia da Bélgica.

A composição étnica majoritária de Ruanda é de tutsis e hutus, e também existe uma minoria chamada twa. Dentre os dois primeiros, o que estão em maior número são os hutus, porém os belgas sempre privilegiaram os tutsis, colocando-os como chefes locais e explorando os hutus.

Em 1962, Ruanda conseguiu sua independência e os hutus subiram no poder e passaram a tomar diversas medidas repressivas contra os tutsis. Quem estava no poder na época era o primeiro-ministro Grégoire Kayibanda, que governou até 1973, quando seu primo Juvenal Habyarimana, general do exército e ministro da defesa, o destituiu do cargo.

Habyarimana foi reeleito três vezes, vencendo todas as vezes com quase 100% dos votos e uma delas como candidato único. Seu governo era extremamente repressivo e autoritário. O general marginalizava os tutsis como vingança da época da colônia e muitos deles fugiram para países vizinhos, principalmente a Uganda, onde foi formada a Frente Patriótica Ruandesa (FPR).

Durante o início da década de 1990, ocorreram diversos conflitos entre o governo militar de Habyarimana e a FPR, refugiada em Uganda. Foi feito um acordo de paz em 1993, mas não resolveu a situação.

O ápice da tensão ocorreu no dia 6 de abril de 1994, quando um atentado derrubou o avião onde estava o general Habyarimana. As autoridades hutus atribuíram o acontecimento diretamente aos tutsis da FPR e então no dia seguinte começou o trágico genocídio de Ruanda.

Três crianças acolhidas no orfanato anexo ao hospital do acampamento número 1 de Kibumba, em Goma, antigo Zaire. 1994. Fotografia de Sebastião Salgado.

Estima-se que cerca de 800 mil pessoas foram assassinadas, milhares de mulheres foram estupradas e muitas crianças foram mortas, principalmente meninos. Entre os mortos estão principalmente tutsis e hutus que se opunham ao genocídio, além dos twas.

Além das milhares de morte, milhares de pessoas fugiram para outros países, principalmente Zaire — hoje chamada de República Democrática do Congo- e Uganda. Dados indicam que quase um milhão de ruandeses refugiaram-se na atual RDC. Os refugiados ficavam em campos com péssimas condições de vida, falta de alimentos e epidemias de cólera

O genocídio durou cerca de três meses e houve um total descaso da comunidade internacional, que só passou a mandar ajuda no terceiro mês. A atrocidade só terminou quando a FPR, liderada pelo atual presidente Paul Kagame, alcançou a capital Kigali e derrubou o governo, enquanto tropas francesas de manutenção da paz ocuparam outras partes do país.

Consequências e atualidade

Os refugiados ruandeses chegam esgotados aos arredores da aldeia de Kisesa, na região de Kisangani, no antigo Zaire, em 1997. Fotografia de Sebastião Salgado.

Desde então, Ruanda passa por um longo e doloroso processo de reconstrução e as memórias do genocídio ainda assombram o país.

Em 1994, o Conselho de Segurança das Nações Unidas criou TPIR, Tribunal Penal Internacional para Ruanda (Resolução 955 do CSNU, caso alguém se interesse), e nele boa parte dos envolvidos no genocídio foram julgados e condenados a algum tipo de pena, inclusive grande parte dos funcionários do governo de Habyarimana.

O governo ruandês utilizou muito do dinheiro recebido pela ajuda humanitária para investir no país, principalmente no setor econômico. Ruanda continua sendo um país pobre, mas é um dos países que mais cresce atualmente na África, então aos poucos as condições de vida da população estão melhorando.

Iniciou-se uma campanha de combate ao tribalismo, uma das causas do genocídio, além de ajuda psicológica à população. Existe a tentativa de ao invés de rotular a população como tutsi, hutu e twa, considerar todos ruandeses, sem tratar diferente por ser de uma etnia ou outra.

Ainda, é importante pontuar que a maior parte dos vítimas eram adultas, e principalmente homens. Por conta disso, mais de 50% da população é menor de 25 anos e como muitos homens foram assassinados e/ou presos, as mulheres passaram a ter um papel essencial no país.

Dentro do Parlamento ruandês, onde mais da metade dos assentos são ocupados por mulheres. Fotografia de Gianmarco Maraviglia.

Hoje, Ruanda tem o parlamento mais feminino do mundo. Cerca de 65% dos cargos são ocupados por mulheres. As mulheres ruandesas ocupam os mais diversos cargos na sociedade, desde comerciantes, professoras até construtoras civis e pilotas aérea.

A FPR está no governo desde o fim do genocídio, sendo que Paul Kagame vice — presidente do país de 1994 até 2000, e presidente desde as eleições de 2000, porém pretendendo ficar no poder até 2034 conforme a alteração feita na constituição ruandesa, sendo esse um dos motivos da condenação de Kagame por parte de diversos líderes e órgãos internacionais.

Além disso, Kagame está envolvido em diverso escândalos de corrupção e é constantemente acusado de violar a liberdade de expressão ruandesa, principalmente no setor de comunicações, sem contar as inúmeras tentativas de sufocar a oposição política.

Considerações Finais

foto da capital ruandesa KIgali.

Existem algumas considerações que gostaria de fazer a respeito de tudo isso, vou pontuá-las:

  1. Escolhi a República de Ruanda para iniciar a série por ser meu país favorito para estudar. É fascinante como um território tão pequeno pode nos ensinar tanta coisa, e o que escrevi aqui foi só uma pequena parte. Além do mais, foi o primeiro país que representei numa simulação da ONU (SPECPOL do SPMUN 2019, saudades e te amo), atividade divisora de águas na minha vida, então tenho um carinho extra por estudá-lo.
  2. O caso do genocídio de Ruanda não é um caso pontual em países que foram colônias europeias. Essa mistura de grupos étnicos ou rivalidades criadas ou aumentadas de forma forçada pelos colonizadores no continente africano causa diversos conflitos até hoje.
  3. A comunidade internacional IGNOROU a tragédia que estava acontecendo. Até quando vamos nos importar apenas com o que acontece em Paris ou em Londres? Existem centenas de conflitos seríssimos acontecendo neste exato momento e ninguém noticia. Está na hora de nos esforçar para isso mudar.
  4. Assistam HOTEL RUANDA. Infelizmente não está mais no Netflix, mas é um filme baseado numa história real e ilustra muito bem o que foi tudo isso.
  5. Não existem heróis ou vilões nessa história. Roubando uma frase do meu professor de história do cursinho, Duique, “o mundo não é branco, nem preto. Ele tem 50 tons de cinza”. Não devemos classificar os hutus como maus e os tutsis do bem, nem vice-versa. São generalizações desnecessárias e acusadoras, de certa forma.

Enfim, espero que tenham gostado e até a próxima! :)

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Júlia Papa

FGV School of International Relations Undergraduate student. Soft Sciences enthusiast. Data Science applied to Political Science researcher. Text as Data.